Em entrevista ao “Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica” (Celag) o secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, reforçou a necessidade urgente de garantir a continuidade democrática na América Latina.
Preocupado com a crise política no Brasil decorrente do afastamento da presidenta Dilma Rousseff, ele afirmou: “o Brasil é um ator muito poderoso na região, pesa muito, e seria ingênuo desconhecer que o que acontece no Brasil não vai, de alguma forma, afetar para bem ou para o mal o que acontece”.
Samper é ex-presidente da Colômbia e atual secretário-geral da Unasul. Na entrevista, aborda as principais questões do continente e comemorou os Diálogos de Paz em Havana, que levam ao fim o conflito de mais de 50 anos na Colômbia.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
Desde que assumiu a Secretaria Geral da Unasul, quais foram as principais conquistas e em que aspectos institucionais o organismo foi fortalecido?
Penso que a principal conquista é ter conseguido posicionar a Unasul como um interlocutor político dentro da região. A Unasul nasceu como resultado de uma série de processos políticos complexos no final do século passado, que suscitaram a necessidade de criar uma entidade capaz de defender conceitos políticos como o da preservação da continuidade democrática como um propósito de manter a região dentro dos standards da participação cidadã e a vigência dos direitos humanos em termos gerais. Essa defesa, claro, supõe uns níveis de interlocução política que creio que de alguma maneira eu conquistei e mantive durante o tempo que estou nesta secretaria.
Quanto ao lado institucional, temos reforçado a segunda tarefa mais importante da Unasul que é ser um gerador de políticas públicas. A Unasul funciona com 12 Conselhos Setoriais e 6 Grupos de Trabalho, e temos reagrupado estes Conselhos em função de certas prioridades. Por exemplo, há cerca de 3 agendas centrais: uma agenda social, cujo propósito fundamental é a inclusão; uma agenda econômica, cujo propósito fundamental é a produtividade, e uma agenda política, cujo propósito fundamental é a participação cidadã. A partir desta reorganização creio que temos fortalecido a presença política da Unasul.
Passados já 9 anos da criação da Unasul, como analisaria a situação atual do processo de integração ‘unasurenho’?
Eu teria que separar o que foi o momento em que assumi a Secretaria da Unasul, que foi uma espécie de “lua de mel” onde todos os países, de alguma maneira, estavam focados em conquistas específicas, havia níveis de crescimento importantes. Todos os países da região – sem exceções – haviam conseguido tirar cerca de 180 milhões de pessoas da pobreza, havia conquistas específicas e uma governabilidade relativamente garantida.
Hoje devo reconhecer que a crise econômica, de alguma forma, “contaminou” a política e as possibilidades de manter as conquistas sociais, e isso de certa forma tem se traduzido em dificuldade de governabilidade. Claro que na região se mantêm propósitos comuns e não foi renunciado um certo tipo de princípios, mas estamos com dificuldades porque a má economia atraiu uma má política e esta política tem dificultado as possibilidades de manter o equilíbrio com relação à integração.
Sabemos que dentro do grupo de países que formam a Unasul há divergências a respeito das políticas comerciais com outros países ou blocos, particularmente com os Estados Unidos e a União Europeia. Como isso afeta os processos de integração, sendo que cada vez são mais os países que estão manifestando sua vontade de avançar nestes Tratados de Livre Comércio?
Há que partir do conceito básico segundo o qual nosso propósito fundamental é articular um projeto político de região, e os temas que têm que ver com a parte da integração comercial e econômica estão em outro nível. Poderíamos sintetizar esta espécie de dicotomia dizendo que nós somos partidários de um regionalismo aberto no campo econômico, mas com uma integração política no campo regional.
Ou seja, é válido que os países, em função de seus interesses, encontrem relacionamentos através de mecanismos, como podem ser a Aliança do Pacífico, a participação dos países petrolíferos na Opep, ou, de certa forma, a liderança que o Brasil está exercendo no Brics. Tudo isso é absolutamente válido dentro de um conceito de regionalismo aberto no campo econômico e quando não houver renúncia dos princípios políticos fundamentais que falamos.
A respeito do que ocorreu no Equador com o terremoto. A Unasul conta com programas ou políticas específicas para abordar este tipo de catástrofe natural na região?
Minha experiência como ex-presidente de um país [Colômbia] no qual os desastres não são coisa excepcional, é que às vezes termina sendo maior desastre a forma de lidar com o desastre que o desastre mesmo. Por isso temos impulsionado desde a Unasul um Manual de Manejo de Riscos Naturais que já foi aprovado por consenso pelos chanceleres e pelos responsáveis no tema, que permite, daqui pra frente, que haja uma coordenação, inclusive um apoio operacional quando ocorrem situações como a do terremoto.
Viajamos com embaixadores da Unasul às zonas zero, estivemos em Manta e fomos fazer entregas de alguns apoios que conseguimos com recursos entre nós mesmos. Mas também falamos sobre certos temas, por exemplo, experiências que alguns países têm no manejo de albergues (…). Estamos trabalhando em função do que temos para oferecer, mas em síntese, há um manual que daqui pra frente vai permitir que os países respondam de forma coordenada, oportuna e pertinente às ocorrências deste tipo de desastres naturais.
Como vê o futuro do processo de paz na Colômbia? Para o senhor, quais são os principais mecanismos para alcançar um acordo de paz e também os distintos projetos de paz pelos quais clama cada um dos setores do conflito?
Eu começaria por diferenciar o que é o processo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o processo de paz com o ELN (Exército de Libertação Nacional). No processo de paz com as Farc é um processo que tem raízes nas lutas camponesas dos anos 50, é um movimento principalmente rural, com uma clara influência internacional do que foi a União Soviética em seu momento de revolução em marcha.
O processo do ELN é, talvez, mais complexo. Tem raízes fortemente urbanas, muito vinculado às reivindicações petrolíferas dos anos 70 e 80, e agora com a mineração, profissionais – muitos deles identificados com a linha maoísta – ou seja, as duas origens dos dois processos colocam em marcha duas agendas. Porém, creio que, habilmente, por parte do governo se conseguiu, e claro, por parte dos guerrilheiros, coincidir em mais de 60% das agendas.
Vamos trabalhar com duas mesas paralelas, com duas agendas, mas com um só processo de reconciliação. E neste sentido temas como a importância que têm as vítimas nos dois processos, os mecanismos de justiça transicional para garantir a passagem do conflito ao pós-conflito, me parece que, de alguma forma, ajudam a lhes dar solidez ao processo como um todo.
Agora, claro que a paz tem inimigos e tem inimigos poderosos que já começaram a mostrar os dentes enquanto é visto que o processo avança de forma definitiva. E o fazem utilizando sua condição de poderes concretos. Não são atores políticos que estão questionando o processo de paz; são atores políticos sem responsabilidade política que, desde os meios de comunicação, desde os grupos econômicos, estão de alguma forma tratando de minar o processo por baixo. E creio que eles encontraram um momento preciso porque este é o momento de verdade, pelo menos com relação às Farc, que é quando as pessoas não tem só que pedir, mas também dar, e este é o momento em que se estão pactuando a desmobilização, a diminuição da agressividade, a reintegração, que são os temas mais difíceis para decidir. De tal maneira que sim, é um momento delicado e difícil, mas estou confiante e otimista de que vai chegar a uma conclusão bem sucedida.
Acredita que o processo de destituição aberto recentemente no Brasil contra a presidenta Dilma Rousseff pode ter impacto na estabilidade democrática da região?
É claro que o julgamento apenas começou, que neste momento esperamos que a presidenta tenha o direito de legítima defesa e, pelo que conhecemos do processo, não há uma imputação que razoavelmente possa levar a pensar hoje que se justifica sua desvinculação permanente do Poder Executivo.
Nós vamos seguir muito atentos ao processo, ao julgamento; temos exigido o direito da presidenta ter sua defesa de forma adequada. Também vamos seguir trabalhando com o novo governo os temas que têm a ver com a Unasul, claro. O Brasil é um ator muito poderoso na região, pesa muito, e seria ingênuo desconhecer que o que acontece no Brasil não vai, de alguma forma, afetar para bem ou para o mal o que acontece na região. E isto não é uma exceção.
Como o giro ideológico em vários governos da região pode influenciar na concepções de defesa e segurança, tendo em conta que a Unasul sempre buscou impulsionar uma noção diferente da imposta historicamente pelos Estados Unidos?
Espero que não tenham maior influência. A região leva há muitos anos – não só os da Unasul – tratando de caracterizar um espaço diferente, independente na matéria de defesa. Quando estava vigente o sistema interamericano os exércitos da região trabalharam com hipóteses de conflito. Os jogos de guerra eram por exemplo “o que vai acontecer se a Venezuela invadir a Colômbia, ou se o Peru atacar a Bolívia”; enfim, eram jogos de guerra que começam por criar situações de conflito entre nós mesmos.
Penso que se tem algo que avançamos em matéria de política na região é que estamos trabalhando com hipóteses de confiança: é a confiança que têm os altos poderes entre si para reunir-se e encontrar as bases de uma ponta política de segurança hemisférica que estão muito distantes de ser o que eram as velhas políticas de segurança nacional. A mim parece que é uma agenda que será mantida, entre outras coisas, porque não há nenhuma possibilidade neste momento de pensar que possa exigir um golpe militar na região.
Finalmente, quais são os principais desafios que a Unasul tem para os próximos anos?
Creio que está muito ligado ao que falamos no começo, por isso me parece uma excelente pergunta para terminar. Temos que preservar a região como uma zona de paz no mundo. Em um mundo cheio de conflitos étnicos, religiosos e próprios da Guerra Fria, não deixa de ser uma boa notícia que nossa região seja um oásis de paz; não é que não existam conflitos, mas estes não buscam solucionar-se com violência, e daí vem a importância de encerrar o conflito colombiano, que é o último conflito armado importante que ainda existe no hemisfério.
Segundo, temos o desafio de manter a continuidade democrática, e esta não é uma tarefa fácil porque, como foi dito, a crise econômica complicou a política. O maior desafio neste momento na região, ou os maiores desafios, são em primeiro lugar evitar que a crise econômica comece a atingir as pessoas que tiramos da pobreza nos últimos anos. Há cifras já preocupantes de que, nestes meses de crise econômica, já há mais de 8 ou 10 milhões de pessoas que haviam deixado de ser pobres voltando a sê-lo, e em segundo lugar, superar as condições deste modelo extrativista de desenvolvimento que nos levou a viver tirando da terra por cima e por baixo sem que tenhamos sido capazes de agregar valor a isso que temos.
E claro, o grande projeto que estamos trabalhando com a ajuda de amigos, como Jacques Ramírez, que é o projeto da cidadania sul-americana. A integração não é só um problema de mobilidade das coisas ou dos serviços, mas é essencialmente um problema de mobilidade de pessoas e temos que outorgar direitos a estas pessoas em mobilidade. E se alguém começa a fazer uma radiografia da América do Sul se dá conta de que se algo está caminhando bem hoje em dia é o interesse que têm os sul-americanos por não ir ao exterior. E definem o exterior como tudo o que há por fora da América do Sul. Então, que haja sul-americanos que pensem que seu país é a América do Sul, e que o que queiram é migrar dentro de seu grande país e buscar oportunidades e mudar dentro de seu país, dentro de seu grande país, por creio que temos muitas possibilidades de fortalecer a integração.
Comunicação Deputado Federal Rubens Otoni