O dia 17 de abril de 2016 entrará para os livros de história como a data em que a Câmara dos Deputados – à época presidida por um deputado acusado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas – protagonizou uma das cenas mais pavorosas do Parlamento brasileiro. Por quase seis horas, 367 deputados e deputadas – contra outros 137 – golpearam a democracia, em nome de Deus, da família e de um pretenso combate à corrupção.
Foi o começo de um golpe que segue seu roteiro até os dias de hoje. Passados dois anos, o emblemático apelo golpista “primeiro a gente tira a Dilma” pode muito bem ser completado com outras frases: “Depois a gente retira direitos do povo, entrega o País ao capital estrangeiro e, finalmente, impede Lula de voltar à Presidência”. Um enredo que parecia perfeito, mas que não contava com a intensa resistência popular contra a retirada de direitos e em nome da democracia.
Para quem acompanha esse processo desde o início, sabe que a prisão do ex-presidente, sem provas e sem crime, é mais uma fase do golpe que começou lá atrás – também sem crime de responsabilidade que justificasse o impeachment de Dilma Rousseff. Ainda assim, ela foi exposta a um processo de impedimento por um conluio parlamentar, comandado pelo então presidente da Casa, Eduardo Cunha – símbolo maior da contradição de uma época, já que conduziu uma votação em nome da moralidade e da família, quando ele mesmo – mergulhado em hipocrisia – era acusado de vários crimes. Teve seu mandato cassado menos de cinco meses depois da fatídica sessão e foi preso menos de dois meses após perder o mandato, permanecendo na prisão até o dia de hoje.
Na época, teve apoios relevantes. Contou com o estardalhaço midiático dos grandes meios de comunicação, com a turba de manifestantes simbolizada pelo “pato da Fiesp” e com a omissão explícita do Judiciário, que lhe permitiu conspirar livremente contra a democracia, quando já havia contra ele várias provas de crime. Consumado na Câmara, o golpe rumou ao Senado, e em 12 de maio de 2016 um total de 55 senadores e senadoras – contra 22 – aprovou a admissibilidade do processo de impeachment, afastando a presidenta Dilma inicialmente por 180 dias.
Naquela data, ela – presidenta legitimamente eleita – não voltou ao Palácio do Planalto. Em 31 de agosto, o mesmo Senado aprovou seu impeachment, não apenas afrontando a soberania popular de 54,5 milhões de votos, mas rasgando a Constituição Cidadã, que condiciona o afastamento de um presidente da República – só e somente só – se restar caracterizado crime de responsabilidade, o que não foi comprovado. O afastamento de Dilma seria apenas o primeiro ato do golpe.
Presidenta honesta sai, acusados de corrupção entram
Assim como sentenciou o senador Romero Jucá (MDB) em conversas gravadas, o “grande acordo” vingou, com o “STF, com tudo”. E o traidor-mor Michel Temer, que urdiu o golpe de dentro do próprio Palácio, assumiu o poder, acompanhado de uma turma que rapidamente foi desmascarada. Temer, além de acumular recorde de impopularidade, conseguiu o título de único presidente da história a ser alvo de investigações criminais em pleno mandato.
Apesar da gravidade do contexto, toda a turma do “fora Dilma”, do pró-moralidade e do “contra a corrupção” assistiu calada às duas vezes em que a mesma Câmara que tirou Dilma do poder livrou Temer de acusações consistentes, por crimes de corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de justiça. Em uma das denúncias, Temer chegou a dividir a acusação de organização criminosa com dois braços-direito: os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (a época da Secretaria-Geral).
Os dois protagonizaram só mais um exemplo de escândalo e de denúncias que envolveram membros do alto escalão golpista desde o momento em que assumiram o Planalto. Tanto é verdade que uma semana e meia após ser nomeado para o Planejamento, o ministro Jucá foi o primeiro a cair, justamente por causa da divulgação dos áudios em que ele tramava o célebre acordo para barrar a Lava Jato.
Na matemática do golpe, seis meses depois de assumirem o poder, seis ministros já haviam caído, sendo quatro deles por algum tipo de acusação. Fabiano Silveira (Transparência) foi pego em conversa gravada fazendo críticas à operação Lava Jato e dando “dicas” a outros companheiros de golpe a como se comportar em relação à Procuradoria-Geral da República. Caiu uma semana após Jucá.
Depois foi a vez de Henrique Eduardo Alves (Turismo), que em delação foi apontado como destinatário de R$ 1,55 milhão em propina maquiada de doações eleitorais durante 2008 e 2014. Caiu em junho daquele ano. Finalmente chegou a vez de Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), outro braço-direito de Temer, que foi acusado de tráfico de influência por outro ministro e acabou saindo do governo em novembro de 2016.
Mas, para Geddel, o pior estava por vir. Foi preso oito meses depois, numa operação que investigava desvios da Caixa Econômica Federal. Já em prisão domiciliar, continuou praticando crimes, segundo a Polícia Federal (PF). E em setembro de 2017 voltou à prisão, três dias depois de a polícia encontrar malas lotadas de dinheiro vivo com R$ 51 milhões, nos quais a própria PF disse ter identificado impressões digitais de Geddel.
Golpe foi contra o povo
Tão logo assumiu o poder, Temer e sua turma começaram uma cruzada para acabar com direitos e garantias – inclusive, constitucionais – do povo brasileiro e para entregar as riquezas do Brasil ao estrangeiro: Reforma Trabalhista, terceirização indiscriminada, tentativa de aprovar Reforma da Previdência, cortes em programas sociais (Mais Médicos, Farmácia Popular, Minha Casa, Minha Vida, Luz para Todos…), redução do salário mínimo, congelamento de investimentos por 20 anos, entrega do pré-sal às multinacionais do petróleo, prioridade às demandas do mercado financeiro, desmonte dos serviços públicos essenciais com o anúncio de várias privatizações.
O golpe contra o povo se traduz no aumento da miséria e no retorno do Brasil ao Mapa da Fome, no aumento indiscriminado do trabalho informal, na diminuição de postos formais de trabalho e numa perspectiva cada vez menor de melhora econômica ou social do País. Com o orçamento de todos os investimentos sociais – incluindo saúde e educação – congelados para as próximas duas décadas, o Brasil sob a tutela golpista será arremessado a um mundo de atraso e privações.
Portanto, a retirada de Dilma do poder e agora a prisão de Lula foram consumadas não para combater a corrupção, mas para barrar as conquistas sociais e interromper o processo de soberania nacional, que cada vez mais passou a contrariar interesses externos. Passados quase dois anos de golpe, já estamos chegando perto das eleições. E eles imaginavam que tirando a Dilma, iniciando a perseguição aos movimentos sociais, criminalizando nossas lideranças e perseguindo especificamente o Lula iriam chegar às vésperas das eleições com a gente fora do jogo político. E o que está acontecendo? Lula cresce a cada pesquisa.