Ao DM: “É preciso diminuir o poder do dinheiro nas eleições”

Em entrevista ao jornal Diário da Manhã, publicada nesta quarta-feira, 22, o deputado federal Rubens Otoni, que é o vice-presidente da Comissão Especial da Reforma Política, destacou quais são os principais desafios do sistema político atual. Entre eles, criar mecanismos capazes de aumentar a participação popular, reduzir a influência do poder econômico nas eleições e estimular a presença dos jovens e mulheres na política.

Veterano neste debate (em 2003 foi relator do projeto de reforma política), Otoni destacou que é preciso estimular a sociedade nesta reflexão. Ele também afirmou que as manifestações que ocorrem contra a corrupção não levam em conta a necessidade de aperfeiçoamento da democracia e do sistema político. Falta informação às pessoas e sobra desinformação nas redes sociais. Para o deputado, o esgotamento da democracia representativa impõe a necessidade de criação de mecanismos que estimulem a participação da população no debate de leis e de projetos.

Da mesma forma, Otoni explicou que não dá mais para fugir do debate sobre o modelo de financiamento das campanhas. Seu partido, o PT, defende o financiamento público. “O que não pode é a continuidade deste modelo onde muitas pessoas são eleitas apenas em função do dinheiro em detrimento das ideias e compromissos com a comunidade”, frisa. Leia a entrevista na íntegra:

DM: O povo está nas ruas protestando contra corrupção e desmandos e é cada vez mais baixa a confiança em relação ao Congresso Nacional. Onde é que a política e os políticos falharam?

Rubens Otoni: Qual é a nossa reflexão: esse sistema representativo não atende mais à necessidade da época. Este sistema foi pensado na década de 1980, numa época em que nós ainda estávamos numa era pré-internet. Onde não se sonhava em ter celular, onde não tínhamos rede sociais, onde a velocidade das informações era totalmente diferente da realidade de hoje. Então, naquela época, era natural se conviver com um sistema onde todos tinham que esperar a próxima eleição, num período de quatro anos, para decidir uma coisa que o cidadão estava tomando conhecimento hoje. Com a velocidade das informações e a realidade do mundo de hoje, as pessoas, quando estão insatisfeitas com algo, não esperam mais o seu representante se manifestar. E vai esperar muito menos a próxima eleição para  manifestar seu descontentamento com aquele que o representa. O cidadão tem acesso hoje a canais que ele não tinha nas décadas de 1980 e 1990. É por isto que repito: este sistema representativo está ultrapassado.

DM: O senhor defende que se acabe com a democracia representativa?

Rubens Otoni: Não defendo o fim da democracia representativa. Devemos continuar com o sistema eleitoral representativo, mas para que nós tenhamos um sistema político que atenda às expectativas da sociedade, há a necessidade de nós incorporamos ao modelo de democracia representativa, alguns elementos de democracia participativa e também alguns elementos de democracia direta. E aí sim, teremos a democracia representativa, que é o sistema geral, mas teremos também a oportunidade para que a sociedade não limite a sua participação apenas à escolha do representante. É preciso que, cada vez mais, a sociedade se sinta partícipie do debate da elaboração de políticas públicas, e também participe das discussões que estão ocorrendo no Poder Legislativo.

DM: Qual é a sua ideia de democracia participativa?

Rubens Otoni: Nós já temos alguns elementos, no nosso dia a dia, de democracia participativa, como as audiências públicas, conselhos populares, que são formas da comunidade participar, influenciar e acompanhar ações de governo e no parlamento. Esta participação popular permite interação, impedindo que o representante, depois de escolhido, toque o mandato a seu bel prazer, sem prestar contas. Os conselhos e audiências, estabelecem o contato direto, de modo que o cidadão vá acompanhando o trabalho do representante, e passa a ajudá-lo a pensar e tomar decisões.

DM: Há espaço para discutir mecanismos de democracia direta na reforma política?

Rubens Otoni: Esta é uma das propostas que defendemos na comissão da Câmara Federal que trata da reforma política. Por que não? O cidadão e a cidadã podem escolher o seu representante, pode ter a possibilidade de debater os temas durante o exercício do mandato daquele parlamentar,  mas num ou outro momento, dependendo dos temas, o cidadão pode de maneira direta decidir, ao invés daquela decisão ser apenas do representante. É claro que não dá para fazer isto com todos os temas, porque criaria uma situação incontrolável, mas em alguns temas, isso poderia ser feito.

DM: Por exemplo?

Rubens Otoni: Em outros países plebiscitos, referendos passaram a ser uma prática usual, e com isto incentiva-se a população a participar, tirando o cidadão da inércia. Faz com que o cidadão não se distancie do debate. Esta é a discussão macro que estamos fazendo, no sentido de aperfeiçoar o sistema, para que ele avance da democracia representativa, a partir de elementos de democracia participativa e de democracia direta.

DM:O senhor acredita que estes temas têm eco na Câmara Federal, com um parlamento de viés mais conservador, como o que foi eleito em 2014?

Rubens Otoni:Não é isto que acontece na Câmara Federal. Não este o debate que é feito na sociedade. E é por isto que esta discussão não avança, pois na hora em que é feito o debate da reforma política, as pessoas enxergam apenas a conveniência que é a eleição do ano que vem. Se fosse pelo menos as eleições daqui a dez anos, seria mais fácil, mas as posições são imediatistas. O lugar comum na Câmara Federal é de que seja feito o debate, mas daquele sistema que convém. Há o temor, dentre muitos deputados, de que a mudança da legislação prejudique suas reeleições. É como se pensassem: “Fui eleito com esta legislação, se mudar, que seja para um sistema que fique igual, ou que fique mais fácil conseguir a eleição”. Ora, se for este o parâmetro, fica fácil entender  que não chegaremos ao lugar que interessa ao fortalecimento da nossa democracia. Este é o dilema do debate que temos levando adiante na Câmara dos Deputados.

DM: Qual é o prazo final para apresentação do texto da reforma política?

Rubens Otoni: A comissão especial da Reforma Política tem que apresentar uma proposta elaborada, em condições de ir ao plenário, até o final do mês de maio. Os membros da comissão estão trabalhando muito. Foram feitas mais de 20 audiências públicas, ouvindo segmentos sociais, partidos políticos, estados da federação. Mas não existe um entendimento ou um acordo geral sobre o que podemos apresentar.

DM: Como sair deste impasse?

Rubens Otoni: Tenho defendido nas reuniões da comissão especial da reforma política que devemos discutir as regras eleitorais – porque não há como fugir delas -, e tenho dito que nesta discussão nós temos alguns desafios, e o primeiro deles é importante. Ao buscarmos o aperfeiçoamento do nosso sistema político eleitoral, nós nos preocupemos em fazer regras, aperfeiçoando a lei, para diminuir a influência do poder econômico na escolha dos nossos representantes. Este é o ponto principal da reforma política.

DM: O poder do dinheiro fala cada vez mais alto nas eleições?

Rubens Otoni:Olha, não dá mais para conviver com a realidade de hoje, que é gritante: a cada eleição a gente vê que, cada vez mais, os nossos representantes são escolhidos muito mais pela estrutura de campanha – pelo dinheiro que têm na campanha –, do que necessariamente pelas ideias, pelas propostas ou pelos compromissos com a comunidade. Salvo as exceções que temos em cada partido, cada vez mais vai ficando estreito o espaço daqueles que trabalham apenas com ideias. A estrutura do dinheiro influencia cada vez mais a eleição dos representantes, a ponto de lideranças populares, pessoas que têm prestígio na sua comunidade não se aventuram na atividade política porque sabem que não têm a estrutura necessária para enfrentar o jogo que será jogado. Isto precisa mudar. Precisamos de leis que determinem um equilíbrio maior,de modo que, que vá para a disputa eleitoral, possa fazê-lo numa estrutura equilibrada, onde prevaleça o prestígio, a liderança, as propostas, as ideias e o compromisso assumindo com a comunidade.

DM: O senhor defende o financiamento público?

Rubens Otoni: O meu partido, o PT, defende o financiamento público, há também propostas para que aja apenas o financiamento por pessoas físicas e ainda projetos que somente limitam a participação das empresas no processo eleitoral. Há uma tremenda desinformação sobre a importância deste debate sobre o modelo de financiamento das campanhas. Se for feita uma entrevista junto aos que protestam nas ruas, vão dizer que são contra o financiamento público, porque estão convencidos que seria tirar dinheiro do Estado para dar aos políticos. O que não entendem é que como está hoje, é mais nocivo o financiamento onde o dinheiro é o fator mais determinante nas eleições, do que o debate de ideias e de projetos. É preciso encontrar o ponto de equilíbrio, de maneira que aqueles que querem fazer política respaldados em ideias e compromissos não sejam prejudicados pelos que abusam do poder econômico.

DM: Além da questão da reaproximação entre eleitor e políticos, há também a questão da concentração que se vê hoje no congresso da eleição de grupos religiosos e empresariais, que elegem cada vez mais representantes. É possível dar mais heterogeneidade ao Legislativo?

Rubens Otoni: E temos também este desafio de fazer uma legislação que abra caminhos para os mais diferentes segmentos sociais. O debate sobre a questão de gênero, se coloca cada vez com mais força. Há o desafio grande no campo político de estimular a participação de jovens e mulheres na atividade político-partidária. Isto não pode ser apenas uma estratégia de um ou outro partido, no âmbito da reforma política esta preocupação deve ser evidenciada, para que se faça lei que seja pelo menos indutora. Não apenas porque as mulheres sejam a maioria da população e do eleitorado, e portanto, jogam muito mais importância ao processo político e decisório, mas também porque tem um papel maior nos processos de gestão. Não tenho dúvida nenhuma que a participação maior das mulheres trás qualidade para a ação política, para gestão e para o aperfeiçoamento da nossa democracia. Nada mais justo que isto não faça apenas parte da estratégia deste ou daquele partido, mas que se faça lei, de maneira a contribuir para esta mudança. Desde quando cheguei à Câmara dos Deputados em 2003 participo do debate da reforma política. Fui relator desta matéria em outros momentos, hoje sou vice presidente a comissão, e vejo neste instante uma movimentação muito menor nesta discussão de gênero e isto me preocupa.

 

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